segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

FARDAS E FARDAS




Na Escola onde tirei o curso (hoje diria na Faculdade porque os enfermeiros acabaram por ser doutores mas isso fica para uma próxima vez que para já não quero irritar o pessoal) a nossa farda era constituída por um bata por baixo do joelho, claro, um avental que dava a volta à nossa cintura, com um peitilho, sapatos brancos abotinados, casaco branco se estava frio e o inevitável “quépi”! Para a dignidade. Tudo isto mais o porte.
O porte era importantíssimo e eu apanhei que se farta por não ter o porte adequado (ainda hoje, sabe Deus...). Claro que o cabelo tinha que estar preso, de preferência num carrapito porque se fosse num rabo de cavalo podia, ainda assim, cair para cima do doente: As unhas cortadas rente, jamais pintadas de uma cor berrante, o máximo era um cremezinho claro que vai sempre bem com tudo (esta frase faz-me lembrar a minha amiga e enfermeira Isabel Costa Macedo. Onde andas???).
O avental saiu de cena quando comecei a trabalhar no hospital de S. José, mas tudo o resto manteve-se por muito tempo embora no hospital fossem mais permissivos no que diz respeito à cor das unhas.
Entretanto eu saí durante alguns anos para ser mãe a tempo inteiro e quando voltei, os sapatos e o casaco eram azuis-escuros, a saia tinha subido para cima dos joelhos, mas o “quepi” ainda era um sinal obrigatório de dignidade.
No meu caso, como fui directamente para o bloco operatório, ficava guardado num cacifo para quando precisasse de sair do BO, para almoçar por exemplo.

Aqui as coisas mudaram muito. Quando eu saí, as enfermeiras ainda se vestiam como qualquer outra, bata branca, sapatos brancos... nem touca usavam acreditam? Os médicos operavam com a mesma bata com que andavam o dia todo, e punham luvas mais porque – estou convencida – para se protegerem a si próprios das bactérias dos doentes do que para proteger os doentes dos vírus que transportavam dum lado para o outro. E assim se vivia – ou morria – alegremente.
Agora, as regras de assepsia e esterilização eram a ordem do dia e o bloco passou a ser um local fechado onde só entrava quem estivesse devidamente fardado. Por farda entenda-se umas calças de elástico na cintura e uma túnica de enfiar pela cabeça e corte direito. E em vez do “quépi” agora era obrigatório usar uma touca para que nenhum cabelo se atrevesse a assomar.
As cores deste fardamento variavam de hospital para hospital e podiam ser todas menos encarnado. Eu gostava do amarelo ou do verde água, mas o verde pano-de-mesa-de-jogo ganhou fama e agora é o que se usa em quase todo o lado.
Até inventarem uma coisa chamada tecido-não tecido.
Segundo a Wikipédia o tecido não tecido, é um tecido classificado como um não tecido (entenderam?). É produzido a partir de fibras desorientadas que são aglomeradas e fixadas, não passando pelos processos têxteis mais comuns que são fiação e tecelagem (ou malharia). No caso da lã, o TNT produzido chama-se feltro.
O feitio dos fatos deste tecido não tecido, é o mesmo mas são descartáveis. Vestimo-los e no fim do dia caixote do lixo com eles.
Já quanto às toucas,temos um problema: ficam-nos pessimamente! E, como a ideia é segurarem o nosso maravilhoso cabelo dentro delas, não nos deixam mostrar as madeixas que custam tanto dinheiro a fazer em qualquer cabeleireiro decente!
Mas a maior parte dos frequentadores dos BO amenizou o problema comprando umas toucas de tecido estampado à escolha e que ficam assim como aqueles lenços que as camponesas usavam nos anos cinquenta. Até se apertam atrás, no pescoço como os tais lenços. A questão é que, com essas toucas, no fim do dia o cabelo está todo acachapado. Isto pode ser bom para quem tem um cabelo volumoso, mas para quem o tem liso como eu, é péssimo. 
Por outro lado, quem tiver uma franja tipo Beatriz Costa, o melhor é esquecer o bloco. No fim dum turno com a franja metida dentro duma touca ela estará espetada para cima e impenteável. Falo por experiência própria. Logo eu que ficava tão bem de franja, tive que a deixar crescer e mudar para um penteado que, modéstia à parte, não me fica, de todo, tão bem.

Entretanto "lá fora" a farda também evoluiu: finalmente alguém percebeu que com o vestidinho branco, debruçarmo-nos para passar um doente da cadeira para a cama ou quando saltamos para cima da cama dum doente para lhe fazer massagem cardíaca, por exemplo, o botão de baixo corre sérios riscos de rebentar, a saia sobe pernas acima, e ficamos numa figureta no mínimo... enfim, não admira que as enfermeiras sejam retratadas em todo o lado com um símbolo sexual: de mini saia, decote até ao umbigo deixando ver um soutien encarnado a dar com o batom.
Isso acabou meus senhores! Agora a farda dos enfermeiros e das enfermeiras é igual! Calças e túnica brancas. "Quépi" fora que só atrapalha, mas...  o elástico para agarrar o cabelo ainda dava jeito, escusávamos de atirar cabelos para cima dos doentes enquanto se faz o penso, ou se posiciona um doente, como eu vejo tantas vezes, agora. E há elásticos tão giros... toda uma gama de tranças que são mais obras de arte que penteados, e ganchos baratíssimos nos chineses! É uma ideia... 

Mas esta coisa das fardas tem mais que se lhe diga embora isso fique para o próximo post, que este já vai muito longo.


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