"Cada vez mais, as nossas tarefas serão de acrescentar vida aos anos a serem vividos e não acrescentar anos à nossa vida... dando mais atenção ao doente do que à cura em si mesma."
Se a morte faz parte do ciclo da vida humana, então deveria ser entendida e esperada como o último resultado deste esforço, implícito e inerente desde o princípio. Quando nos esquecemos disso, acabamos por cair na tecnolatria e na absolutização da vida biológica pura e simples. adiando o inevitável, que apenas acrescenta sofrimento e vida quantitativa, sacrificando a dignidade.
O crescente interesse público em torno da eutanásia e suicídio assistido, chama a nossa atenção para os limites do "curar" da medicina moderna.
Referindo-nos sempre ao doente terminal, os profissionais de saúde e os doentes devem saber que é lícito conformarem-se com os meios normais que a medicina pode oferecer, e que a recusa dos meios excepcionais ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à omissão irresponsável da ajuda, devida a outrem.
Essa recusa pode significar apenas a aceitação da condição humana, que se caracteriza também pela inevitabilidade da morte, ou seja aquilo a que se convencionou chamar Ortotanásia.
A Ortotanásia consiste em renunciar a meios extraordinários e dispendiosos, já inadequados à situação real do doente, porque não proporcionam os resultados que se poderiam esperar. Nestes casos pode-se interromper a manutenção artificial da vida quando não há mais meios de recuperá-la devido a uma patologia irreversível.
Muitos bioeticistas, entre os quais Gafo (Espanha), utilizam o termo ortotanásia para falar da "morte no seu tempo certo".
A ortotanásia, ao contrário da eutanásia e da distanásia, é sensível ao processo de humanização da morte e alívio das dores e não incorre em prolongamentos abusivos com a aplicação de meios desproporcionados que imporiam sofrimentos adicionais.
Mas o que é que constitui o prolongamento ilícito da vida e o que constitui um abreviação ilícita da mesma?
Noutras palavras, como é que podemos, por um lado distinguir entre a eutanásia e a distanásia, e por outro lado deixar o doente morrer em paz e com dignidade?
A resposta está na distinção entre os «meios proporcionados e «meios desproporcionados» e no seguinte princípio: não somos obrigados a utilizar meios desproporcionados – sempre e quando respeitarmos os desejos dos doentes – mas estamos obrigados a utilizar sempre «meios proporcionados». .
Utilizar meios desproporcionados sem respeitar os legítimos desejos dos doentes, é distanásia.
Não utilizar ou retirar meios proporcionados é eutanásia
Desproporcionados são os meios cuja carga é superior aos benefícios. São aqueles que são inúteis para conservar a vida do paciente, ou que, para curá-lo, constituem uma carga demasiado grande em termos de dor e sofrimento para o doente. Um doente tem o direito de recusar um tratamento – uma radioterapia por ex. se assim o decidir.
E é ainda preciso ter em conta que um tratamento que é proporcionado para um doente pode ser desproporcionado para outro.
Na aplicação destes princípios devemos actuar caso a caso.
Isto implica que não é possível dar uma lista de meios proporcionados e desproporcionados sem ter em conta o efeito desses meios num determinado paciente, aqui e agora. Em cada caso dever-se-ão valorizar bem os meios pondo em comparação o tipo de terapia, o grau de dificuldade e risco que comporta, com o resultado que se pode esperar de tudo isso, tendo em conta as condições do doente, as suas forças físicas e morais.
Um novo conceito que começa agora a ganhar força. Hellegers, um dos fundadores do Instituto Kennedy de Bioética, a respeito desta questão, afirma: "Perto do fim da vida, uma pretensa cura significa simplesmente a troca de uma maneira de morrer por outra..
É este desafio ético que a medicina e a sociedade, têm que enfrentar com urgência : o de humanizar a vida no seu ocaso, devolvendo-lhe a dignidade perdida.
É o paradigma do cuidar substituindo o do curar que aceita o declínio e a morte como parte da condição do ser humano, uma vez que todos sofremos de uma condição que não pode ser "curada", isto é, todos somos criaturas mortais.
Porque, queiramos ou não, reconhecendo-o ou não, à medida que os serviços de saúde se foram tornando mais dependentes da tecnologia, foram deixadas de lado práticas humanistas, tais como manifestação de apreço, preocupação e presença solidária com os doentes. O "cuidar" surge no mundo tecnológico da medicina moderna simplesmente como prémio de consolação quando o curar não é possível.
Mas cuidar permite-nos realisticamente enfrentar os limites da nossa mortalidade e do poder médico com uma atitude de serenidade praticando uma medicina orientada para o alívio do sofrimento que está sempre mais preocupada com a pessoa doente do que com a doença da pessoa. É sob tal foco, que relação dos profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, com o doente, adquire, grande importância.
Cuidar dignamente de uma pessoa que está a morrer num contexto clínico, significa respeitar a integridade da pessoa. Pretende garantir que o paciente seja mantido sem dores tanto quanto possível, que receberá continuidade de cuidados e não será abandonado ou sofrerá perda de sua identidade pessoal. Pretende garantir que o paciente terá tanto controle quanto possível no que se refere às decisões a respeito do seu cuidado e ser-lhe-á dada a possibilidade de recusar qualquer intervenção tecnológica que prolongue a sua "vida", uma vez que será ouvido como uma pessoa com os seus medos, pensamentos, sentimentos, valores e esperanças. Pretende garantir ainda que poderá de morrer onde quiser morrer.
Nesta nova perspectiva deparamos com o difícil desafio, de aprender a encarar o cuidar da vida humana no sofrimento do adeus final, situado entre os dois limites opostos: por um lado a convicção profunda de não matar e por outro, a visão de não procrastinar ou adiar pura e simplesmente a morte.
Por isso é orbigatório reflectir sobre a questão de definir de quando é preciso desistir e aceitar o que é irreversível, intensificando os nossos esforços no sentido de amenizar o desconforto do morrer.
"Curar às vezes, aliviar frequentemente, confortar sempre.” (Oliver) é cada vez mais importante na missão de qualquer profissional de saúde