domingo, 8 de maio de 2016

VIVER INTENSAMENTE... OU NÃO.

"... Fitámos-nos um ao outro, e a intimidade entre nós ia-se tornando demasiado profunda - como se fossemos ambos cair lá dentro sem nunca conseguir sair. É esquisito como a vida tem que ser vivida á tona das coisas. Se assim não fosse a nossa consciência seria assoberbada pelas pequenas despedidas e mortes que vivemos todos os dias." (Goa ou O Guardião da Aurora - Richard Zimler)

Esta frase despertou-me para uma coisa em que, sem ter muita consciência, já tinha pensado. Não profundamente. À tona. Não, não se assustem, não pretendo escrever um tratado sobre viver a vida superficial ou profundamente, mas apeteceu-me deter-me um bocadinho sobre isto.
É óbvio que não podemos viver todos os minutos da vida profundamente.
Não é que em algumas circunstâncias não queiramos. Queremos viver a paixão o mais intensamente possível e durante o maior espaço de tempo possível. Queremos sentir aquele fogo no estômago, aquela ansiedade que nos aperta a garganta cada vez que o nosso telemóvel vibra ou emite um som, seja de mensagem, de email, ou mesmo de toque. O coração salta-nos antes de vermos quem está do outro lado e chegamos a atrapalharmo-nos a passar com o dedo pelo ecrã, correndo o risco de desligar a chamada. Queremos ficar a olhar para a outra pessoa ad aeternum, nem precisamos de dizer coisa nenhuma, só sentir o formigueiro percorrer-nos de alto a baixo cada vez que ela nos toca. Um dia, e outro e outro...

Mas existe o reverso da medalha: o desgosto profundo causado por exemplo, pela perda definitiva de alguém. O mesmo fogo no estômago, a mesma ansiedade que nos aperta a garganta, o coração a bater descontrolado. Tudo igual mas de sinal contrário. Um dia e outro e outro... Só queremos que passem depressa, muito depressa, para não estarmos sempre a pensar no pesadelo porque estamos a passar, tão profundo que não conseguimos imaginar como é que algum dia poderemos voltar a viver, e sentir "menos" ou a sentirmo-nos melhor.
Eu sempre achei que, para viver a 100%, o que tinha que fazer era sentir muito e muitas vezes.
Mas parece que não, que maior parte do tempo, vivo, como todas as outras pessoas, à tona, com medo de me afogar em sentimentos que obviamente abafo e que me permitem NÃO sentir "as pequenas despedidas e mortes que vivemos todos os dias". Pensando bem, muitas vezes enterro a cabeça na areia para não ter que ver o que me faz sofrer.
Mas e as pequenas alegrias e prazeres que também acontecem todos os dias? Aquelas pequenas coisas que nos são agradáveis, desde estar sentado a olhar para o mar até ao enorme prazer que é ter os braços dos nossos filhos pequenos à volta do nosso pescoço, passando por comer uma laranja com o sumo a escorrer pelo queixo e não me ralar?
Acho que o segredo é, sempre que possível, dar mais valor a essas pequenas alegrias e prazeres, vivê-las um bocadinho mais intensamente do que as dores, para que a balança penda para o lado da felicidade. E essa é uma atitude que implica um treino. Que, como qualquer treino tem que ser praticado dia-a-dia
Senão não resulta.
E eis-nos infelizes... mesmo que seja á tona das coisas.








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