segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

As profissões mais desejadas, quando somos crianças são normalmente maquinistas, bombeiros, médicos, enfermeiros, professores. Alguma criança mais precoce quer ser, vá, engenheira eletrotécnica. Tenho um sobrinho que tudo o que queria quando fosse grande era ter uma pasta para poder, como o pai, sair de casa de manhã e entrar em casa à noite com a dita na mão, sem precisar de fazer nada entretanto. E outro que queria ir para tio, uma profissão muito pretendida entre género feminino nos dias de hoje, se bem que os requisitos sejam maiores e mais árduos do que em qualquer curso de qualquer universidade que eu conheça. Nacional ou internacional.
Mas voltando ao assunto deste post, a maior parte das pessoas que eu conheço sabia perfeitamente o que queria ser quando crescesse.
Já eu parecia um cata-vento: se brincávamos aos médicos queria ter uma profissão ligada à saúde, se íamos de comboio para Lisboa, ser maquinista parecia-me perfeito. Lembro-me dum incendio que houve em Sintra, tão grande que de dia as colunas de fumo se viam da varanda lá de casa e à noite se via o clarão do fogo(vivíamos em Sassoeiros- Carcavelos) e as pessoas faziam cabazes em que o leite era indispensável, para levar aos bombeiros que arriscavam a vida a apagar aquele braseiro; durante esses dias dramáticos achei que ser bombeira era exactamente o que eu queria. Não, não apenas bombeira, mas uma bombeira heroína!
Pensando bem servia-me qualquer profissão em que eu pudesse ser heroína!
Na altura certa, a minha mãe mandou-me a um psicólogo fazer testes de orientação profissional. Esqueci-me de levar os óculos porque estava naquela fase em que as raparigas que usavam óculos eram feias e eu além de heroína também queria ser gira, de maneira que houve alguns testes daqueles que têm bolas dentro de quadrados até ao infinitamente pequeno, que tive uma enorme dificuldade em descodificar e acho que de alguma forma falseei os resultados.
Seja como for, quando tive que ir falar com a psicóloga que viu os meus testes, ainda não tinha fechado a porta já estava a apanhar um raspanete. Que eu era uma preguiçosa, que andava a brincar com tudo e todos e que se deixasse de ser cábula e preguiçosa deveria seguir Engenharia Química – engenharia química?? O que é isso? – se não podia escolher entre Medicina e Direito.
Boa. Não é que me tenha ajudado muito mas omo não fazia ideia do que uma engenheira química fazia, restava-me a Medicina e o Direito sendo que ainda por cima, pelos vistos, podia continuar a ser cábula e preguiçosa. Tão preguiçosa que, quando chegou 1974 e o sistema educação português se emaranhou todo, com os alunos a fazerem RGAs por tudo e por nada, e a explicarem aos professores que agora sim, temos liberdade e nós é que mandamos, era o que faltava termos que aprender coisas que não nos servem para nada na vida prática ou teórica, eu andava nas minhas sete quintas. E assim andei até ao fim do ano seguinte, ano em que acabei o liceu.
Só que agora, em vez de fazermos exames de admissão à faculdade tínhamos um ano propedêutico o que achei francamente despropositado. Fiz o liceu todo na expectativa de no final do sétimo ano – actual 11ª - acabar com aquilo e seguir para a faculdade.
Ainda hoje não faço ideia do que é um ano propedêutico, porque não o fiz. Tenho alguma vergonha de confessar que tive preguiça de ir ao liceu saber o que é que era para fazer, na esperança que a bagunça acalmasse e no ano seguinte pudesse concorrer à faculdade normalmente. Mas não. No ano seguinte inventaram um tal de serviço cívico, duas palavras que me fazem lembrar os prisioneiros cuja pena se reduz se fizerem trabalho para a comunidade. Obviamente não estava para aí virada, mas os meus pais também não estavam para ter em casa uma teenager a roçar-se nos sofás ano após ano, de maneira que me mandaram trabalhar como ajudante de educadora num centro ATL. Já estava no ATL há pelo menos um ano quando, um dia, fui almoçar a casa dos primos da tia Bebé, onde estava também a prima João, da tia Isabel, que tinha acabado de se formar em enfermagem. Não faço ideia porquê, estavam todos muito preocupados com o que é que eu pretendia fazer com a minha vida profissional. De repente a João olhou de lado para mim e disse: Estou a ver-te como enfermeira... porque é que não tiras o curso de enfermagem?
E foi assim que, por causa da minha preguiça, eu me tornei numa heroína!

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